
OPERAÇÃO AÇORES
Viajar é um vício que tenho entranhado no corpo e, sempre que posso (e as finanças o permitem), não perco a oportunidade de ir além do horizonte de todos os dias, procurar o mundo alternativo que por vezes nos falta e confrontar o imaginário, abstracto e enigmático, com o real. Nascemos num lugar, mas acabamos sempre por fazer um desvio no roteiro da vida, para nos encontrarmos com outros lugares. E nada melhor que o fascínio “insaciável” dos Açores para se conseguir esse intento.
Estaria tudo bem naquele Verão de 2001 (a minha esposa partilha comigo tudo o que seja viajar e o seu espírito de aventura nunca se esgota), se não fossemos confrontados com um problema habitual nestas andanças: hotéis superlotados. O mês de Agosto é o mais problemático para quem quer desvendar a tela multicolor daquele místico arquipélago e, por mais esforços que fizéssemos, não conseguimos o tão ambicionado alojamento.
Já tínhamos as passagens de avião marcadas e sentimos, como é óbvio, uma pesada sensação de desânimo. Mas não desistimos. Passado que foi o amargo de boca, assolou-nos a vertigem própria de um contratempo estúpido, que teve o condão de nos aguçar ainda mais o apetite e nos fez tomar a única decisão possível. Um olhar cúmplice foi quanto bastou: a tenda de campismo cumpriria, mais uma vez, a sua missão. Açores... aí vamos!
A ilha Terceira foi a primeira a acolher-nos, desejosa de que desvendássemos a sua riqueza histórica e visual. Alugámos um carro no aeroporto e iniciámos ali o circuito, deixando-nos conduzir por paisagens avassaladoras, longe da modernidade urbana, totalmente entregues à força agreste da natureza. Chegou a noite e antes de nos submetermos à “luta pela sobrevivência”, procurando um parque de campismo (em último recurso, qualquer refúgio escondido no monte serviria para montarmos a tenda) demos uma volta pelas redondezas de Angra do Heroísmo e, ao fim de muito esforço, conseguimos desencantar um quarto numa casa particular, onde acordei para o primeiro dia dos meus cinquenta e um anos.
Angra, jóia preciosa, cujo centro histórico é classificado pela Unesco Património da Humanidade, foi o passo seguinte. A marca indelével que a vida militar deixou em mim, puxou-me de imediato para a imponente fortificação de São João Batista, no Monte Brasil, um exemplar único de arquitectura militar luso-espanhola que, indiferente aos séculos, é testemunha de um passado recheado de histórias fantásticas. Ali estiveram figuras célebres, como D. Afonso VI e Gungunhana. Actualmente, aloja o Regimento de Guarnição nº 1.
Pedimos a autorização para a visita e iniciamos a ronda cultural, orientados por um militar especialmente destacado para o efeito. Poucos passos tínhamos dado, quando nos cruzamos com um oficial de patente superior, que ostentava o tão familiar símbolo de “Comando”. Houve de imediato uma voz interior que me interrogou: “Estás à espera de quê para te apresentares?”. Como sabem, os nossos códigos de amizade transcendem e não se confundem com relações fúteis e efémeras. São consolidados por ideais que se regem pela mesma causa, pelas mesmas vivências, que nos abrem caminhos em qualquer local do planeta. Senti o apelo do “Crachá” e, quase instintivamente, aproximei-me do oficial. Ele parou, olhou-me com alguma curiosidade e, parecendo ter adivinhado as minhas intenções, deixou que me apresentasse. Não demorou muito até encetarmos um diálogo espontâneo, aberto, como se fossemos amigos de sempre.
A história ficaria, porventura, por aqui, se não houvesse a tal força, os tais códigos de amizade que nos unem. A convite do camarada (garanto-vos que não foi apenas um mero gesto de cortesia, conforme vereis a seguir), acabei, juntamente com a minha esposa, a saborear uns aperitivos no bar, em são convívio com outros militares, alguns deles também Comandos. Conversa puxa conversa, onde estiveste, a minha Companhia foi a tal e tal, por onde tens andado agora, o que fazes, projectos para a vossa estadia nos Açores, por aí fora… enfim, conversas de ocasião, que vão dar, inevitavelmente, àquilo que todos imaginam… O passado militar de um Comando é como um jogo de caixinhas chinesas, que saem sucessivamente umas de dentro das outras! Dos aperitivos passou-se ao almoço, com um brinde especial ao meu aniversário; do almoço ao café e, – pasme-se –: antes da retirada do pessoal para os respectivos locais de trabalho, alguns telefonemas, feitos em tempo recorde, o tempo que leva a tomar um digestivo, resolveram-nos, como por magia, o problema do alojamento nas restantes ilhas (São Miguel, Pico e Faial).
Sei que estas atitudes de boa camaradagem entre militares, sobretudo entre Comandos, são espontâneas e dispensam encómios, contudo, queria deixar aqui mais um grande abraço de reconhecimento ao camarada que nos ajudou. Graças à sua disponibilidade desinteressada, aliada, naturalmente, à sua posição hierárquica e às boas relações com os seus pares, a tenda não chegou a sair da mala. Tivemos tratamento VIP em todas as ilhas visitadas, cumprindo-se assim com êxito total a “Operação Açores”. Por outro lado, como devem calcular, foi-me proporcionado um almoço de aniversário inesperado e invulgar, que jamais esquecerei…!
Alexandre Marta
Nota : mais um artigo do nosso amigo e camarada alf. Monteiro (desculpa para mim serás sempre alf. Monteiro apezar da tua patente ser muito superior )extraido do boletim da associação de comandos de Almada.
Obrigado camarada pela tua preciosa colaboração, em não deixares adormecer este NOSSO blog, pertencente a todos quantos pertenceram á gloriosa 33ª companhia de Comandos.
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