segunda-feira, 28 de março de 2011
"Coicidências"
COINCIDÊNCIAS?
As coincidências acontecem nas circunstâncias mais inesperadas. Quem não experimentou já a sensação de que, por uma razão qualquer, algo de extraordinário aconteceu na sua vida e dá por si a reflectir sobre o assunto, comentando o facto com espanto: “Mas que grande coincidência?”. Pois bem, eu não sou excepção e muitas coisas me aconteceram já ao longo da vida, para as quais a palavra coincidência parece ser a única explicação; contudo, há uma que me faz pensar se será ou não uma verdade incontestável esta conclusão a que naturalmente se chega. Para ser sincero, dir-vos-ei que, para mim, esta terá sido mais do que uma simples coincidência; ou, pelo menos, gosto de pensar que assim tenha sido.
Corria o ano de 1974. Abril era o mês. No dia sete tinha consumado um dos meus mais ambicionados sonhos: casar com aquela que elegi, desde sempre, para minha companheira. Ainda estava fresco o enlace, ainda se davam os primeiros passos e se partilhava o calor dos primeiros lençóis, quando fui contactado por um oficial do Quadro Permanente (em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, onde havia sido colocado desde o meu regresso de Angola) que me informou do “Movimento” que estava em curso e da grande ofensiva que ia fazer-se para derrubar o regime. Informou-me sobre alguns pormenores e que, se quisesse participar, deveria tomar uma decisão imediata, caso contrário, sujeitar-me-ia a sofrer as consequências. Não me disse quais seriam, mas havia uma espécie de insinuação nas suas palavras e deduzi que a expressão “quem não é por nós é contra nós” teria, naquela altura, perfeito cabimento. Ainda me atrevi a questionar: “Pá, acabei de chegar há meia dúzia de meses de uma alhada e já me vou meter noutra?”. A resposta dele foi pronta: “É lá contigo. Posso adiantar-te que o Primeiro Comandante não gostou da ideia (sublinhou ideia) e por uma questão de segurança já está preso. Portanto, faz como entenderes, mas se não quiseres alinhar, pelo menos fica bem caladinho. Convém que esta conversa nunca tenha acontecido, pelo menos até estar tudo resolvido, percebeste?”
Não vou entrar em pormenores sobre o que se passou a seguir. Apenas vos digo que dei por mim a integrar um grupo de militares comandados pelo, então, Major Jaime Neves, grupo esse que, após diversas acções que concorreram, de algum modo, para reforçar o êxito do “Movimento”, ficou à disposição do Conselho de Revolução para situações de emergência em que se justificasse uma intervenção rápida.
Entre muitas solicitações que foram surgindo, nos dias que se sucederam ao golpe militar, e que não interessa agora aqui referir, uma delas foi de grande importância para mim, e é uma das razões que me levaram a escrever este artigo. A outra, é a tal coincidência.
Dia 29 de Abril, Aeroporto da Portela.
O ambiente cá fora era de euforia total. Uma imensa multidão, constituída por simpatizantes e militantes do Partido Comunista Português, deixaram-me deslumbrado (nunca tinha visto uma coisa destas) e um nome gritado com entusiasmo, “Cunhal, Cunhal, Cunhal...” entranhou-se-me nos ouvidos. Fiz uma primeira avaliação da situação e concluí que alguém muito importante estava para chegar (aquele nome não me dizia ainda grande coisa).
Desci da viatura militar, juntamente com os outros oficiais que faziam parte da força e segui as indicações do Major. “Tudo pronto? Então vamos lá. Pinheiro, você acompanha o homem desde o avião, olhos bem abertos e não o larga até eu dizer, ouviu? “; “Sim, meu Major”, respondi.
O homem era o da gabardine, que acabava de sair do autocarro de transporte interno do aeroporto. Colei-me a ele logo que pude, uma vez que os jornalistas eram como formigas à sua volta. Chamou-me a atenção o seu cabelo branco, as suas pestanas fartas e os seus olhos profundos, enigmáticos. Acho que, na altura, não reparei em mais nada. Segui-o, a mão direita na Walter e os olhos na multidão, até atingirmos uma pequena sala, onde entramos os dois. Fechei a porta e fiquei de pé, uma mão na fechadura e a outra na arma (ordens são ordens), esperando indicações dele. Ele sentou-se num maple, cabeça entre as mãos, e ali ficou, pensativo. Eu limitei-me a olhá-lo, intrigado, respeitando o seu silêncio. Era, com certeza, alguém muito importante, atendendo ao dispositivo de segurança que fora montado. Não tive tempo, contudo, para muitos devaneios. Ele levantou-se pouco depois e disse-me, com uma expressão que me pareceu de alívio: “Pode abrir, senhor alferes. Já me sinto bem”.
E foram estas, talvez, as primeiras palavras que Álvaro Cunhal proferiu em solo português, ao fim de muitos anos de exílio…
Dia 28 de Abril. Estação de Vilar Formoso...
Paragem, em trânsito, do Sud-Expresso, sentido Paris-Lisboa...
Não vou contar-vos outra história. Essa pertence ao meu saudoso pai, já falecido, e fica para mim como uma valiosa recordação. Digo-vos apenas que meu pai, Jaime Pinheiro, na qualidade de Chefe de Estação de Vilar Formoso, dirigiu, talvez, as primeiras palavras, em solo português, a Mário Soares, no seu regresso do exílio...
Também ele, Mário Soares, esteve ao meu lado no aeroporto, esperando Álvaro Cunhal, para lhe apresentar cumprimentos (vim a saber mais tarde)…
Coincidências?...
Texto adaptado para o nosso blog e extraido da revista da Associação de Comandos de Almada e escrito pelo nosso amigo Alexadre Marta ,para nós (alferes Monteiro )
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