Terminado este pequeno período de descanso, retomámos o nosso percurso, com o crepúsculo a acentuar-se. A noite caía rapidamente. A ânsia de continuar era condimentada por sentimentos contraditórios de um forte querer mesclado de alguma descrença.
Agora já era difícil ver o caminho. Veio então uma ideia “milagrosa”! Dado que alguém (certamente um inveterado fumador) tinha conseguido apesar do confisco, trazer um isqueiro (por curiosidade era mesmo um Ronson), passámos a fazer o seguinte: O portador do isqueiro, avançava no escuro cerca de vinte metros e fazia fogo com ele. O portador da bússola corrigia mais para a esquerda ou mais para a direita, até coincidir com o desejado azimute e lá íamos todos até aquela posição. O processo repetiu-se algumas dezenas de vezes (santa ingenuidade dos vinte anos!) até que um ruído semelhante ao produzido por um gato assanhado em atitude defensiva, nos fez recuar um pouco e repensar a estratégia. Não se viam dois palmos á frente das palas dos quicos. O bom senso acabou por prevalecer. Àquele ritmo, não valia a pena continuar. Era preferível tentar dormir um pouco, e recomeçar aos primeiros vestígios de claridade. Estaríamos lá, em poucos minutos.
A madrugada chegou. Eram horas de voltar á missão de que fôramos incumbidos. A floresta, não era demasiado densa, mas mesmo assim a progressão era demasiado lenta em relação aos nossos desígnios. As horas iam passando. Por volta das nove da manhã, com o desânimo a começar a instalar-se, resolvemos parar para descansar e partilhar umas duas latas de leite achocolatado, que tinham escapado ao “ataque” do jantar do dia anterior.
Definitivamente, tínhamos falhado e iríamos exceder por largas horas o prazo que nos fora concedido.
O calor aumentava, e com ele o consumo de água do cantil. Até então não fizéramos qualquer gestão de recursos. Nem de comida nem de água. Por volta das nove horas, já ninguém tinha uma gota no cantil.
Durante uma nova e breve paragem, apareceu algures no fundo de um dos bolsos uma minúscula lata de chouriço conservado em óleo. A camaradagem imperou, e vá de planear a distribuição equitativa daquela “amostra” de chouriço. Nesse momento, é avistado um pequeno pássaro que nem sequer sabia voar, e que terá eventualmente caído do aconchego e segurança do seu ninho. Após pequena perseguição, é capturado e morto. Depois de depenado, são-lhe removidas as vísceras e logo surge um novo plano. Vamos comer o chouriço, e de seguida assamos/fritamos o pássaro no óleo da lata. O chouriço desapareceu nos cantos da boca, porque sinceramente não percebi a sua chegada ao estômago. Juntaram-se uns gravetos secos, e com a ajuda do “Ronson” fizemos uma pequena fogueira no cimo da qual foi depositada em silenciosa cerimónia a lata e o seu valioso líquido. Aos primeiros indícios de fervura, e com redobrados cuidados depositámos nela o ambicionado passarito. Durante breves instantes, que pareciam uma eternidade o “mini-mini franguinho” foi cozinhado. Já deve estar, opinava o mais ansioso. Um pouco mais, dizia outro. Fritou até que em conjunto decidimos retirar a lata da fogueira. Pela minha cabeça passavam vertiginosamente, algumas questões relacionadas com a partilha de tão importante quanto minúsculo espólio, mas nem me atrevia a falar.
Impulsionada pela sofreguidão, uma mão dirige-se para a lata ainda na fogueira e tenta retirá-la. Infelizmente esqueceu a temperatura elevada do objecto, e no meio de um praguejar quase unânime, a lata voou e com ela o passarito que apesar de muito procurado desapareceu no meio da matéria vegetal que cobria o solo, e não mais foi encontrado.
Cheios de fome, mas principalmente de sede retomámos a nossa rota.
O sol ia alto, e a sede ou a falta de água era o fulcro de todas as conversas. As horas passavam penosamente, e o desânimo espalhava-se no meio do grupo, mas em especial num dos elementos.
Sem saber onde estávamos, com fome e com muita sede, acreditávamos estar de certo modo perdidos e com muitas dificuldades para conseguir chegar às tais pedreiras.
Começava a desidratação. Já todos nós conhecíamos os seus efeitos, bem visíveis no Úcua, durante a realização da “Prova da sede”.
Vinte e quatro horas passadas sobre o inicio desta aventura, e nem vislumbres de a terminar. Alguém mais avisado, disse que a história das duas horas estava mal contada, mas mesmo assim a dúvida permanecia. Será que o Furriel Praça nos enganou? Não! Não é possível, estamos é perdidos.
Foi então que um dos elementos, começou a falar de desistir. Já não ando mais, dizia ele! Se quiserem, que me venham buscar de helicóptero que eu já não aguento. Começam então a ouvir-se opiniões tendentes à abertura do envelope com as instruções, enquanto algumas vozes se manifestavam contra, afirmando que deveríamos tentar até ao limite chegar sem ajuda. Aqueles que eram psicologicamente mais fortes tentavam convencer os outros a prosseguir, mas sobretudo o já referido elo fraco, recusava-se a dar um só passo que fosse.
Veio-lhe então a vontade de urinar. E que faz ele? Resolve urinar no cantil, para sentir o chocalhar do líquido e desta forma se iludir a si próprio, sobre a existência do desejado líquido a que chamámos de água.
Parece mentira, mas foi com este estratagema que o instruendo em causa encontrou novas forças anímicas, para prosseguir mais ou menos arrastado pelos outros.
Chegou a noite, e com ela o descanso. Esgotados, foi fácil adormecer até que a madrugada nos obrigou a deixar os confortáveis braços de Morfeu. (continua)
Augusto Fonseca
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