quinta-feira, 26 de novembro de 2009

25 de Novembro


À memória dos homens…
25 de Novembro de 1975

Naquele dia frio de Novembro, seriam umas 9.30 h da manhã, encontrava-me ao cimo da escadaria de acesso à entrada do Hospital Militar Principal acompanhado pelo Dr. Crespo, na altura responsável pelo Serviço de Oftalmologia e mais tarde director do Hospital e dos Serviços de Saúde do Exército. O Dr. Crespo desabafou: “Isto é de doidos, está tudo maluco!”.
Estávamos ambos acabrunhados e perplexos com o que se estava a passar em Lisboa com os últimos acontecimentos e sobretudo, com a constatação da gravidade da situação que se vivia e da qual os corpos dos dois camaradas que jaziam na casa mortuária do hospital eram o mais gritante testemunho.
Estava em plena marcha aquilo que ficaria para a História como “Os acontecimentos militares de 25 de Novembro de 1975”.
Já lá vão 34 anos e como é comum dizer-se, a memória dos homens é curta. Lamentavelmente muito pouco se fala já desse período dramático da História recente de Portugal e até nos atrevemos a dizer que, para muitas consciências não há grande interesse em avivar a memória e explicar aos mais novos como é difícil conquistar a liberdade e depois garantir a democracia.
O 25 de Abril de 1974 trouxe aos portugueses a tão almejada liberdade cívica, abriu janelas e rasgou horizontes permitindo vislumbrar para as novas gerações um futuro mais risonho e mais rico no mais lato sentido da palavra, assente nos sagrados princípios do direito à igualdade, à fraternidade e à liberdade de expressão.
Mas, os nobres ideais e propósitos que seguramente presidiram à corajosa iniciativa desses Capitães de Abril, foram rapidamente ultrapassados e esquecidos, dando lugar ao oportunismo político, à demagogia e ao populismo que se abateu sobre uma sociedade politicamente analfabeta, deslumbrada com os ventos da liberdade e com a queda de um regime de 48 anos, facilmente manipulada e instrumentalizada.
E assim, dia após dia, mês após mês, numa avalanche contínua de disparates e de arbitrariedades políticas, sempre em nome da democracia mas sem o mínimo respeito pelos valores da família e da nação, alguns líderes, seguidores da ditadura dos partidos, conseguiram pôr os portugueses contra os portugueses, destruir os valores e a coesão social, chegando àquele quase estado de anarquia que foi o Verão Quente de 1975.
A corda esticou, esteve quase a rebentar mas, uma vez mais, foi um punhado de militares, obviamente apoiados por algumas forças civis, que assumiu o dever e a responsabilidade histórica de repor a legalidade e permitir que os portugueses pudessem finalmente viver em paz, respeitando-se mutuamente e às diferenças, garantindo com firmeza a liberdade, o respeito e o funcionamento das instituições democráticas e o sublime direito à cidadania.
Foi do Quartel da Amadora, do Regimento de Comandos, que as acções operacionais partiram, com o firme propósito de salvaguardar os amplos direitos cívicos adquiridos e de repor a ordem e a estabilidade democráticas, então ameaçadas por aqueles que, aproveitando as grilhetas quebradas em Abril de 74 se preparavam para da forma mais violenta e brutal, acorrentar de novo o nosso povo.
Nos anos que se seguiram, junto do Monumento ao Esforço Comando, participei em muitas cerimónias evocativas dessa data e eu próprio coordenei e apresentei muitas delas, sempre com um sentimento e uma emoção muitos especiais, sobretudo no momento em que soava o Hino aos Mortos em homenagem ao Ten “CMD” Coimbra e ao Fur “CMD” Pires, caídos naquela manhã, pela liberdade, pela democracia e por todos nós.
A memória dos homens é curta.
Ao longo destas últimas três dezenas de anos, foram muito poucas, diria mesmo raras, as vezes em que alguém de entre os nossos distintos políticos do vasto leque partidário ou figuras gradas do panorama militar, económico e social, estiveram presentes prestando homenagem e recordando àqueles que, com o seu sacrifício, lhes permitiram que hoje ocupem os lugares de destaque que detêm na sociedade actual.
Sabemos que naquele Novembro de 75 muito boa gente houve, que, até à última hora, esteve indecisa sobre qual a carruagem do comboio que deveria apanhar. Esses são os que mais facilmente sofrem de amnésia e que a todo custo procuram tirar a pedra do sapato.
Mas nós não esquecemos.
Aqui deixo o meu preito de homenagem e o meu abraço fraterno àqueles camaradas comandos que constituíram as duas Companhias de Convocados e que foram indubitavelmente os principais protagonistas desses acontecimentos e da reviravolta que felizmente se operou.
Ao Regimento de Comandos, aos seus militares e a todos os camaradas que a eles se juntaram, Portugal e os portugueses ficam a dever o estado de direito e a democracia em que vivemos, sendo da mais elementar justiça registar os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 como um marco relevante e do maior significado para a história recente do nosso país e da nossa sociedade.

A. Neves
TCor “CMD”

3 comentários:

  1. Meu caro amigo Neves,

    Comungo inteiramente, as tuas palavras e os teus ideais que aqui ficaram tão bem explicitados.
    Não deixemos que o sacrificio de alguns, tendo em vista o bem comum,e apenas isso, caia em "saco roto". Um grande abraço do teu amigo
    Augusto Fonseca

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  2. A. Neves

    "Mudam-se os tempos mudam-se as vontades", já lá diz a canção. Aos valores dos que lutaram por um 25 de Abril justo e fraterno para todos nós, onde alguns tombaram em defesa dos ideais de Abril, veio a escória que como vermes tudo minam no interesse meramente pessoal e não do povo que lá os colocou.

    O 25 de Novembro foi um marco para os Comandos onde a 2045ª (que foi formada com a 2044ª no CIC em Luanda) teve um papel preponderante em defesa desses ideais.

    Infelizmente, como aqui disse, a memória dos homens é curta (tão curta que enquanto não acabaram com os Comandos não descansaram, felizmente hoje revitalizados), e se for necessário outro 25 de Novembro os Comandos dirão sempre... Presente!

    Abraço!

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  3. Como eu o entendo, meu TCor Tó Neves, camarada e amigo do peito para além de "irmão". Como eu o entendo e comungo das suas palavras. Presente.

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