segunda-feira, 30 de abril de 2012

A bala

Extraído da obra “a flor do capim”de josé correia lino, o abaixo escrito é real e passou-se no seio da antiga 43ª da qual o autor fez parte A BALA Durante a Guerra do Ultramar Português logo que terminei a recruta em Santarém, inexplicavelmente para mim fui integrado como aluno numa recém formada Companhia de Infantaria que iria frequentar o 26º Curso de Comandos de Angola, no meu caso como aluno – futuro graduado e miliciano. Na primeira aula de armamento que tivemos iniciada à esturra do Sol, um oficial de aspecto duro e cara de poucos amigos sem se apresentar ou o inverso, começa por nos mostrar um pequeno objecto que segurava entre o dedo polegar e o indicador, ao mesmo tempo que numa voz que mais pareciam berros e dirigidos talvez para quem estivesse a 200 metros de distancia, ia dizendo: --Isto que vêem nos meus dedos chama-se “MUNIÇÃO” e é composto por invólucro, bala, espoleta e pólvora. A maior parte dos idiotas que aqui chegam andam sempre a chamar bala a uma munição, por tal a partir de hoje vai ficar assente nas vossas cabeças o que é uma bala e uma munição. Se algum de vocês tiver a veleidade de chamar bala a uma “MUNIÇÃO” eu obrigo-o a engoli-la e só a verá no dia seguinte quando necessitar de recorrer ao W.C. -- sinceramente e pelo que pudemos observar nas primeiras horas de treino não achamos nada exageradas estas ultimas palavras do instrutor. Enquanto durou esta aula obrigou-nos muito ridiculamente a gritar “MUNIÇÃO”, enquanto o objecto era passado de mão em mão e cantarmos individualmente ou em conjunto uma musica qualquer cuja letra era sempre a mesma: --Munição, munição, munição… Eu vou amar… E o nome nunca irei trocar… e ao Instrutor vou agradar… Como futuros graduados, rouquidão à parte da cantilena, sentíamos que o homem estava a passar das marcas e que não merecíamos ser tratados como se fôssemos palhaços, ou primariamente destituídos de qualquer massa cinzenta - simplesmente uma afronta, era naturalmente o que estávamos a sentir, pois os 50 minutos da aula não passaram do acima exposto. Finda a aula o Oficial Instrutor pegou numa espingarda Simonov, puxou a culatra atrás abrindo a janela de ejecção, entregou-a bruscamente a um instruendo perguntando: -- Sr. Câmara!!! – afinal eles sabiam quem éramos - O que é que falta nessa arma que o impeça de começar já uma guerra com ela?... Olhe bem para o seu interior: O aluno olhou para dentro do cano, mirou longamente a janela de ejecção, esboçou um sorriso e deixou escapar entre lábios num belo sotaque Açoreano : --Falta a” bala”…- pensámos que o mundo ia acabar ali para alguém, mas apesar de tudo o que foi sendo dito pelo Instrutor ninguém morreu ou teve que comer a munição, no entanto o meu antigo grupo de alunos mesmo ao fim de quase 40 anos passados, ainda carrega com o estigma da resposta do Sr. Câmara. Agradeço ao "comando" Lino pela disponibilidade deste artigo extraido do seu livro "A flor do capim"

1 comentário:

  1. Adquiri o livro logo que foi publicado. Para melhor entender o humor deste Engº e escritor (ex-Furriel Miliciano,tornou-se imperioso conhecê-lo. Vale a pena lê-lo e é gratificante com ele conviver, mas poderás ir compilando o livro caro amigo, que a malta agradece. Abraço

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