terça-feira, 24 de novembro de 2009

" O ANIVERSÁRIO "


"Um aniversário ímpar e inesquecível "

Contei-vos há dias a história do galo capturado. E também já vos disse que foi o petisco principal de um "banquete" oferecido pelos amigos mais próximos, na ante véspera do meu 23º aniversário. Vou agora falar-vos dos dois dias seguintes...
Conforme o previsto, o 4º Grupo de Combate partiu para mais uma operação militar, na véspera do meu dia D. Desta vez, não existia propriamente um objectivo. Sabíamos que o inimigo estava naquela área, e íamos ao seu encontro. O treino que nos ministraram, e a experiência de quase dois anos em contra-guerrilha fariam o resto. Qualquer ruído estranho, uma pegada, ou um pequeno ramo partido constituiam pistas para chegar ao contacto com o IN. Havia já terminado a estação seca ( ou do cacimbo ). O calor, os insectos, o relevo e a vegetação eram de momento a maior preocupação. A progressão era lenta e cuidadosa. A cada dia de marcha correspondiam apenas uns escassos quilómetros. Assim continuamos, até ao final do dia, procurando indícios que nos pudessem conduzir até ao incógnito acampamento.
A noite aproximava-se. Na semi-obscuridade do crepúsculo tomamos a última refeição do dia. Certamente, alguma lata de sardinha ou uns filetes de "maquerraux" (cavala) acompanhados de uns goles de água fresca da montanha, que era coisa que não faltava naquelas paragens do Norte de Angola. A noite instalara-se, e então sorrateiros fizemos uma deslocação de algumas centenas de metros, para passar as horas de escuridão quase total, em relativa segurança.
O "bivaque clandestino" (local de pernoita) foi montado, e eu acompanhado do TR28 e da minha amiga G3, adormeci profundamente. Não era dificil. O cansaço a todos invadia, e aos vinte e poucos ninguém dorme mal.
Horas mais tarde, ainda não era meia-noite, fui acordado por alguém que com susurros procurava a minha atenção. Acordei, e durante alguns segundos procurei saber o que se passava. Os meus pensamentos são abruptamente interrompidos pelo rebentamento de uma granada. A mão direita busca o conforto da gélida carcassa metálica da G3. Algumas fracções de segundo mais tarde, comecei a decifrar o enigma e gritei em surda voz: Quem foi o burro que atirou a granada? Do meio da escuridão veio a resposta envergonhada: Fui eu, meu alferes...
Depois as explicações. Teria sentido um animal( provavelmente um javali africano ou facochero) a rondar as imediações com insistência, até ao momento em que se aproximou demasiado e... aí vai granada.
Bom, nada a fazer. A nossa presença fora já anunciada, em muitos quilómetros ao redor e só nos restava redobrar de atenção no dia seguinte. Dormir depois deste episódio, não foi tarefa fácil. Os pensamentos cruzavam-se. As preocupações com a segurança e a vida dos homens sob o meu comando eram enormes,e eu era apenas um "puto" de quase 23 anos... Espera aí... amanhã faço anos!!! Ontem (ante véspera) fui contemplado com uma fabulosa confraternização, hoje dia de véspera tenho "fogo de artificio", amanhã que surpresa me espera?
Finalmente amanheceu. A minha exigência com os cuidados de segurança aumentou. Passei o meu dia de aniversário com um nervoso miudinho, temendo ser surpreendido nalguma emboscada. As horas foram passando, e como nada aconteceu comecei a ficar mais calmo e a voltar ao normal. Mais uns quilómetros através da mata, mais umas latas de ração de combate para repor as energias consumidas, e o dia foi como todos os outros, ao encontro da noite...
Mais uma vez, repetimos as manobras de fim de dia, para a montagem do "bivaque clandestino". Depois de escolhido o local, formamos o habitual circulo e permanecemos em silêncio por largos minutos, tentando perceber algum ruído estranho que denunciasse um ou mais hipotéticos seguidores. O silêncio, era apenas quebrado pelos ruídos da selva, que á noite se transforma num mundo misterioso, assustador, mas ao mesmo tempo cheio de encantos.
Finalmente, emiti a ansiada ordem para o merecido descanso. Comecei como todos os outros a preparar o local, onde me iria deitar. Em silencio afastei os ramos e pedras de maiores dimensões, tornando o "meu colchão" um pouco mais acolhedor. Coloquei o meu saco, com as suas entranhas metálicas das latas de ração, como se fosse uma almofada de penas e... escutei então um ruído de alguém a andar de joelhos na minha direcção. Por breves instantes, fui assaltado pela questão: Quem será? Mas logo outros ruídos semelhantes me fizeram virar para mais três lados. A escuridão era grande, e só quando chegaram perto pude identificar os meus quatro amigos e furrieis do grupo.
O Santos e o Ferrão ( que Deus já nos levou!) mais o Saraiva e o Candeias, vieram até mim e num murmúrio convidaram-me a dar a primeira golada numa garrafa de Vodka. A garrafa andou de mão em mão, ou melhor de boca em boca, e entre cumprimentos e votos de felicidades reforçamos ainda mais, a amizade que até hoje permanece. É reconfortante saber que temos amigos! Saber que não se esquecem de nós... O meu peito encheu de tanta alegria e felicidade!!!
Já muitos aniversários se sucederam, mas este foi sem sombra de dúvida marcante.
" Cem anos que eu viva não posso esquecer..."

Um abraço do
Augusto Fonseca



2 comentários:

  1. Camarada Fonseca:-Os furrieis do 4 grupo eram o Saraiva,Candeias,Santos e Correia.O Ferrao,que nao sabia que ja tinha falecido, era do 1 grupo,juntamente com o Vinagre,eu proprio e o Carvalho que depois foi expulso.
    Um abraco do ex-furriel Martinho.

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  2. Para quem esqueceu (e já lá vão tantos anos!!!) vou recordar que o 1º Grupo foi dividido para recompletar os outros, algures por volta de setembro/outubro de 1972. O nosso comum amigo Ferrão, fez a partir dessa data muitas operações integrado no 4º Grupo.
    Está esclarecido?
    Abraço do
    Fonseca/Chinês

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